Audiência Pública Debate Regulamentação do Biometano no Brasil
O Ministério de Minas e Energia (MME) realizou uma audiência pública para debater o decreto que regulamentará o Programa Nacional de Descarbonização dos Produtores e Importadores de Gás Natural, além de estabelecer incentivos à produção e uso de biometano
Redação - Portal Energia e Biogás, 22 de maio de 2025.
A audiência pública realizada em 21 de maio de 2025 reuniu representantes do governo, setor produtivo, associações e especialistas para debater a minuta do decreto que regulamenta o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano, previsto na Lei do Combustível do Futuro (14.993/24). O evento, conduzido pelo Ministério de Minas e Energia (MME), contou com a presença do Deputado Arnaldo Jardim, um dos principais articuladores da legislação, e do Secretário Pietro Mendes, representando o Ministro Alexandre Silveira.
Na abertura do evento, o Deputado Arnaldo Jardim destacou a importância da regulamentação do biometano como uma vertente fundamental de inovação tecnológica, investimentos, descarbonização e impacto econômico. Ele enfatizou que a aprovação da Lei do Combustível do Futuro por ampla maioria na Câmara dos Deputados demonstra que o tema transcendeu questões momentâneas de governo para se tornar uma política de Estado. O parlamentar também ressaltou o desafio de harmonizar os componentes ambiental e energético do biometano, além de mencionar o entusiasmo internacional com o tema, observado durante a recente Semana do Brasil em Nova York.
O Secretário Pietro Mendes, por sua vez, explicou que a audiência pública foi convocada justamente para promover o diálogo entre os diversos atores do setor, considerando a complexidade da regulamentação do biometano. Ele esclareceu que nada do que está na minuta atual necessariamente permanecerá na versão final, reforçando o caráter consultivo do evento. Mendes também detalhou o processo de tramitação do decreto, que passará pela consultoria jurídica e por outras instâncias governamentais antes de ser assinado pelo Presidente da República.
A estrutura do decreto apresentada pelo MME inclui definições técnicas, capítulos sobre o estímulo à produção de biometano, definição de metas regulatórias, certificação e comercialização, além das relações entre os agentes reguladores. Um ponto central da proposta é o Certificado de Geração de Biometano (CGOB), instrumento que comprova o volume e a origem do biometano produzido, servindo como mecanismo de comprovação do cumprimento das metas pelos produtores e importadores de gás natural.
Durante as apresentações, representantes de diversas entidades trouxeram contribuições e preocupações sobre a minuta do decreto. A Ultragás, representada pela diretora jurídica Fabiana, destacou que o mercado voluntário de biometano já é uma realidade, com 12 produtores autorizados pela ANP e outros 37 em fase de autorização. A empresa viu com entusiasmo a minuta do decreto, especialmente por considerar o mercado voluntário no cálculo do mandato e por trazer mecanismos efetivos para garantir a descarbonização.
Leidiane Ferronato, representando a Amplum Biogas e o Instituto 17, enfatizou a importância da transparência e da aplicação de conhecimentos de avaliação do ciclo de vida ambiental na regulamentação. Ela destacou que o programa vai além da criação do mandato de compra do CGOB, criando um ambiente para que esses certificados sejam utilizados no mercado voluntário, o que pode impulsionar ainda mais o setor.
A ABRACE, representada por Adriano Lorezon, trouxe a perspectiva dos consumidores de gás natural e biometano. Embora a associação tenha sido contrária à criação do mandato, agora busca contribuir para que o espírito da lei seja cumprido. Entre as preocupações levantadas estão o possível aumento de custo para os consumidores de gás natural e a restrição de oferta de biometano para o mercado voluntário. A ABRACE defendeu que o CGOB deve incluir obrigatoriamente o índice de carbono, vinculando a geração de certificados à efetiva redução de emissões.
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Paulo Pedrosa, da ABRACE, aprofundou questões técnicas sobre o funcionamento do CGOB, comparando-o com o sistema do RenovaBio. Ele destacou a importância da segurança jurídica e da credibilidade do sistema, sugerindo que o lastro para emissão do certificado seja a nota fiscal, como ocorre no RenovaBio. Pedrosa também apresentou um fluxograma detalhado do funcionamento do CGOB, desde a emissão até a aposentadoria do certificado.
Silvia, diretora executiva de gás natural do IBP, ressaltou que os produtores de gás não são contra o biometano, pelo contrário, veem muitos benefícios na complementaridade entre os dois combustíveis. Ela destacou que o biometano representa uma parcela verde da oferta de gás, contribuindo para a diversificação da matriz energética. No entanto, expressou preocupação com o timing da oferta, já que potencial não significa necessariamente capacidade produtiva, e com o impacto do preço do biometano na competitividade do gás natural.
Representantes da ANP, como Cristiane Andrade e Fábio, superintendentes de biocombustíveis e qualidade de produtos, também participaram do evento, assim como membros da Petrobras, IBP, ABEGÁS, transportadoras de gás e produtores de biogás. A diversidade de participantes demonstrou o interesse multissetorial na regulamentação do biometano.
Um tema recorrente nas apresentações foi a necessidade de garantir que o CGOB tenha credibilidade e valor para o mercado, funcionando efetivamente como um instrumento de descarbonização. Vários participantes defenderam que o certificado deve incluir informações sobre a redução de emissões, além do volume de biometano produzido. Também houve debates sobre a forma de cumprimento das metas, se pela aquisição ou pela aposentadoria do CGOB, e sobre a possibilidade de comercialização dos certificados.
Outro ponto importante discutido foi a necessidade de envolver entidades do mercado financeiro, como escrituradores e registradores autorizados pela CVM, no processo de implementação do CGOB. Paulo Pedrosa, da ABRACE, alertou para a importância de utilizar uma linguagem adequada ao mercado financeiro na redação do decreto, para evitar riscos de operacionalização do sistema.
A questão da análise de impacto regulatório (AIR) para definição das metas também foi abordada, com o Secretário Pietro Mendes garantindo que esse processo será realizado. Vários participantes destacaram a importância da AIR para garantir que as metas sejam factíveis e não onerem excessivamente os consumidores de gás natural.
Análise das Apresentações e Contribuições
A audiência pública sobre a regulamentação do biometano revelou um setor em transformação, com desafios e oportunidades significativos. As apresentações demonstraram que existe um consenso sobre a importância do biometano para a descarbonização da matriz energética brasileira, mas divergências sobre aspectos específicos da implementação do programa.
Um dos pontos mais debatidos foi a natureza do CGOB e sua função no mercado. Enquanto alguns participantes defendem que o certificado deve ser primordialmente um instrumento de comprovação de volume para cumprimento das metas regulatórias, outros argumentam que ele deve incorporar obrigatoriamente informações sobre a redução de emissões, funcionando como um ativo ambiental completo. Essa divergência reflete diferentes visões sobre como monetizar e mensurar os atributos ambientais e energéticos do biometano.
A preocupação com a segurança jurídica e a operacionalidade do sistema também foi um tema recorrente. A experiência do RenovaBio foi frequentemente citada como um modelo a ser seguido, especialmente no que diz respeito à utilização de notas fiscais como lastro para emissão de certificados e à participação de entidades do mercado financeiro na escrituração e registro dos ativos.
Outro aspecto relevante foi a relação entre o mercado regulado (mandatório) e o mercado voluntário de biometano. Vários participantes destacaram que o mercado voluntário já é uma realidade e tem grande potencial de crescimento, especialmente considerando as metas de descarbonização de empresas e setores. A regulamentação deve, portanto, criar um ambiente que estimule ambos os mercados, sem que um prejudique o outro.
A questão dos custos e da competitividade também permeou as discussões. Produtores e importadores de gás natural expressaram preocupação com o impacto do mandato nos preços do gás, enquanto representantes do setor de biometano defenderam que o programa pode criar economias de escala e reduzir custos no longo prazo. Esse equilíbrio entre incentivo à descarbonização e manutenção da competitividade será um desafio central na implementação do programa.
Por fim, a transparência e a rastreabilidade foram apontadas como elementos fundamentais para o sucesso do programa. A disponibilização de dados sobre certificados emitidos, fatores de emissão, preços e operações foi defendida como essencial para gerar confiança no mercado e permitir a inovação e o aperfeiçoamento contínuo do sistema.
A minuta do decreto apresentada pelo MME parece ter sido bem recebida pela maioria dos participantes, que a veem como um ponto de partida sólido para a regulamentação do biometano. No entanto, as contribuições apresentadas na audiência pública indicam que ainda há espaço para aperfeiçoamentos, especialmente no que diz respeito à definição precisa do CGOB, aos mecanismos de cumprimento das metas e à integração com o mercado financeiro.
O próximo passo será a análise dessas contribuições pelo MME e a elaboração da versão final do decreto, que ainda passará por análise jurídica e outras instâncias governamentais antes de ser assinado pelo Presidente da República. Paralelamente, o subcomitê do biometano, já criado no âmbito do Comitê Técnico Permanente do Combustível do Futuro, iniciará os trabalhos para a análise de impacto regulatório e a definição das metas, que serão fundamentais para o sucesso do programa.
A audiência pública demonstrou que o Brasil está avançando na criação de um arcabouço regulatório robusto para o biometano, alinhado com as tendências globais de descarbonização e com potencial para atrair investimentos significativos para o setor. O desafio agora é transformar esse potencial em realidade, garantindo que o programa cumpra seus objetivos de redução de emissões e desenvolvimento econômico sustentável.
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