Volume de reatores anaeróbios

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autor: Heleno Quevedo de Lima
publicado em 09/06/2025 01:40 e atualizado em 09/06/2025 01:51
aproximadamente 18min31s de leitura
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Descubra por que o volume do reator é decisivo no sucesso de projetos de biogás no Brasil! Este artigo técnico aborda modelagem, estudos de caso e impactos econômicos. Leitura essencial para quem projeta ou opera plantas de biogás.
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Modelagem
Artigo Técnico

A importância do volume de reatores anaeróbios em projetos de plantas de biogás no Brasil

Uma breve revisão

1. Introdução

A produção de biogás a partir da digestão anaeróbia de resíduos orgânicos tem se consolidado como uma solução promissora para a geração de energia renovável e o tratamento de efluentes no Brasil. A viabilidade técnica e econômica desses projetos está intrinsecamente ligada a diversos fatores, sendo um dos mais críticos o dimensionamento adequado do volume dos reatores anaeróbios. Este parâmetro não apenas define a capacidade de processamento da planta, mas também influencia diretamente a eficiência do processo, a qualidade do biogás produzido e, consequentemente, o retorno do investimento. Este artigo de divulgação científica e de engenharia explora a relevância da especificação do volume de reatores anaeróbios em modelagens matemáticas de projetos de plantas de biogás, abordando diferentes tipos de reatores, estudos de caso brasileiros, modelos matemáticos aplicados e os principais pontos de tomada de decisão que impactam a viabilidade do projeto.

 

2. O volume em reatores UASB para efluentes de baixa carga orgânica

Reatores de Fluxo Ascendente e Manta de Lodo (UASB - Upflow Anaerobic Sludge Blanket) são amplamente utilizados no Brasil para o tratamento de efluentes com baixa carga orgânica, como esgoto doméstico e efluentes industriais de baixa concentração. O dimensionamento do volume desses reatores é crucial para garantir um tempo de detenção hidráulico (TDH) adequado, que permita a degradação da matéria orgânica e a formação de biogás. Um TDH insuficiente pode levar à lavagem da biomassa (expulsão de micro-organismos para fora do reator) e à baixa eficiência do tratamento, enquanto um TDH excessivo pode resultar em custos de capital desnecessariamente altos.

 

2.1. Estudo de Caso: reator UASB para ETE em Pouso Alegre (MG)

Um exemplo prático da importância do dimensionamento do volume em reatores UASB é o estudo de caso de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) em Pouso Alegre, Minas Gerais [1]. Neste trabalho, o dimensionamento do reator UASB foi realizado com base na projeção populacional da cidade para um período de 20 anos e no cálculo das vazões de efluentes domésticos. A determinação do volume total dos reatores (m³) foi feita utilizando a vazão média de projeto (L/dia) e o tempo de detenção hidráulico médio (h), conforme a Equação 13 apresentada no estudo:

Volume total de reatores (m³) = (Vazão média de projeto (L/h) * Tempo de detenção hidráulico médio (h)) / 1000

 

O estudo propôs um total de 6 reatores, com uma vazão média de projeto de 0,33 L/s, resultando em uma estimativa de produção de biogás de 1,48 milhões de m³/ano e de energia de 1,92 GWh/ano. Este caso demonstra como a correta estimativa da vazão e a definição do TDH, que impactam diretamente o volume do reator, são fundamentais para a previsão da produção de biogás e a viabilidade energética do projeto. A temperatura média anual da região também foi um fator considerado para a estimativa do tempo de detenção hidráulico, ressaltando a influência das condições ambientais no dimensionamento.

 

3. O volume em biodigestores rurais de lagoa coberta (BLC)

No contexto rural brasileiro, os biodigestores de lagoa coberta (BLC), também conhecidos como biodigestores de lona ou canadenses, são amplamente empregados para o tratamento de dejetos da suinocultura e bovinocultura. O dimensionamento do volume desses biodigestores é crucial para otimizar a produção de biogás e garantir a estabilidade do processo, considerando a natureza dos resíduos e as condições climáticas locais.

 

3.1. Estudo de caso: metodologia Embrapa para plantéis suínos e bovinos

A Embrapa, em colaboração com o CIBiogás-ER, desenvolveu uma metodologia para estimar o potencial de biogás e biometano a partir de plantéis suínos e bovinos no Brasil [2]. Embora o documento não detalhe explicitamente o cálculo do volume da lagoa coberta, ele aborda parâmetros essenciais que influenciam diretamente esse dimensionamento, como a produção de efluentes diária por animal, o peso vivo dos animais e a concentração de sólidos voláteis nos dejetos. Esses dados são fundamentais para determinar a carga orgânica a ser processada e, consequentemente, o volume necessário do biodigestor para um tempo de detenção hidráulico adequado.

O volume de um biodigestor de lagoa coberta é dimensionado para comportar o volume de dejetos gerados diariamente, considerando um tempo de retenção hidráulica (TRH) que varia de acordo com a temperatura ambiente e o tipo de substrato. Para dejetos de suínos e bovinos, o TRH pode variar de 20 a 60 dias, ou até mais em regiões com temperaturas mais baixas. A fórmula básica para o cálculo do volume é:

Volume do Biodigestor (m³) = Vazão diária de dejetos (m³/dia) * Tempo de Retenção Hidráulica (dias)

 

Este estudo da Embrapa destaca a importância de se considerar as características específicas dos dejetos e as condições de manejo das unidades produtivas para um dimensionamento preciso, o que impacta diretamente a eficiência da produção de biogás e a viabilidade do sistema como fonte de energia renovável e solução para o manejo de resíduos agrícolas.

 

4. Biodigestão seca (dry) e a especificação do volume do reator

A biodigestão seca, ou simplesmente digestão anaeróbia para substratos com alto teor de sólidos, é uma tecnologia emergente no Brasil, especialmente para o tratamento de substratos com alto teor de sólidos, como a fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos orgânicos (FORSU), resíduos agrícolas fibrosos, esterco de gado com cama ou esterco de frango com cama. Nesses sistemas, o teor de sólidos totais (ST) pode variar de 15% a 40% ou mais, o que difere significativamente da biodigestão úmida (wet), com teores de ST abaixo de 10%.

A especificação do volume do reator em biodigestão seca é particularmente crítica devido à natureza do substrato. Reatores de biodigestão seca (dry) geralmente operam em batelada ou em regime semi-contínuo, e o volume é dimensionado para acomodar a massa de sólidos a ser processada, o tempo de retenção de sólidos (TRS) e a taxa de carga orgânica volumétrica (COV). Diferentemente dos sistemas úmidos (wet), onde o volume está diretamente ligado ao TDH, na biodigestão seca (dry), o volume precisa considerar a densidade do material, a formação de canais preferenciais e a necessidade de sistemas de mistura eficientes para garantir o contato entre a biomassa e o substrato.

Um estudo da GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit) sobre a metanização de RSU no Brasil [3] menciona que sistemas de digestão anaeróbio extrassecos operam com elevado teor de sólidos (35% a 50%) em operação descontínua, em regime de bateladas sequenciais. Isso implica que o volume do reator deve ser projetado para ciclos de carga e descarga, além de permitir a movimentação do material dentro do reator, que é mais viscoso e menos fluido. A otimização do volume nesses casos visa maximizar a produção de biogás por unidade de volume de reator, ao mesmo tempo em que se garante a estabilidade do processo e a remoção eficiente do digestato.

 

5. O parâmetro volume nos modelos matemáticos para estimativa da produção de biogás

A modelagem matemática desempenha um papel fundamental no projeto e otimização de plantas de biogás, permitindo prever a produção de biogás e metano com base em diferentes parâmetros de entrada (input). O volume do reator é um parâmetro chave em muitos desses modelos, seja como input (dado de entrada) para calcular a produção esperada, ou como output (dado de saída) de um processo de dimensionamento.

Diversos modelos matemáticos são empregados para estimar a produção de biogás, e muitos deles incorporam o volume do reator de alguma forma. Alguns dos modelos mais comuns incluem:

  • Modelo de Chen-Hashimoto: Este é um dos modelos mais utilizados para prever a produção de metano em biodigestores. Ele considera a taxa de crescimento microbiano, a concentração de substrato e o tempo de retenção hidráulica (TRH). O TRH, por sua vez, é diretamente calculado a partir do volume do reator e da vazão de alimentação. Portanto, o volume do reator atua como um input indireto para a estimativa da produção de biogás [4].
  • Modelos baseados em Carga Orgânica Volumétrica (COV): A COV é um parâmetro de projeto crucial que relaciona a massa de matéria orgânica alimentada ao reator por unidade de volume e tempo. A fórmula da COV é
COV = (Carga Orgânica Afluente) / Volume do Reator

Assim, o volume do reator é um input direto para o cálculo da COV, que por sua vez influencia a taxa de produção de biogás. A otimização da COV é essencial para maximizar a produção de biogás sem sobrecarregar o sistema [5].

  • Modelos de balanço de massa e energia: Modelos mais complexos, como o ADM1 (Anaerobic Digestion Model No. 1), consideram balanços de massa e energia dentro do reator. Nesses modelos, o volume do reator é um parâmetro fundamental para o cálculo das concentrações de substratos e produtos, bem como para a taxa de reação. A produção de biogás é um output desses balanços, que são diretamente influenciados pelo volume do reator.

Em todos esses modelos, a precisão na especificação do volume do reator é vital para a acurácia das previsões de produção de biogás, o que impacta diretamente o planejamento energético e a viabilidade econômica do projeto.

 

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6. A especificação do volume do reator e seu reflexo na viabilidade econômica

A definição do volume do reator principal em uma planta de biogás é uma decisão estratégica que impacta diretamente a viabilidade técnica e econômica do projeto. Separamos 5 pontos cruciais devem ser considerados em todos os estudos de viabilidade técnica e econômica de planta de biogás, independente da escala do projeto:

  1. Tipo e quantidade de substrato: A natureza e a disponibilidade do substrato (efluentes, dejetos, resíduos agrícolas, entre outros substratos) são os fatores primários. Substratos com alta carga orgânica ou alto teor de sólidos exigirão volumes de reator diferentes daqueles com baixa carga. A quantidade diária de substrato disponível determinará a capacidade de processamento necessária e, consequentemente, o volume do reator. Um dimensionamento inadequado pode levar à subutilização da capacidade ou à sobrecarga do sistema, ambos impactando negativamente a rentabilidade.

  2. Tempo de Retenção Hidráulica (TRH) e de Sólidos (TRS): O TRH e o TRS são parâmetros de projeto que definem o tempo que o substrato permanece no reator. Eles são cruciais para garantir a completa degradação da matéria orgânica e a produção eficiente de biogás. O TRH e o TRS ideais variam com o tipo de substrato e a temperatura de operação. Uma relação TRH/TRS muito curto pode resultar em baixa produção de biogás e efluente não tratado, enquanto uma relação TRH/TRS muito longo aumenta o volume do reator e, consequentemente, os custos de capital e operação.

  3. Carga Orgânica Volumétrica (COV): A COV é a quantidade de matéria orgânica que o reator pode processar por unidade de volume por dia. Uma COV otimizada maximiza a produção de biogás por volume de reator, reduzindo os custos de capital. No entanto, uma COV excessivamente alta pode levar à acidificação do reator e à inibição do processo. A definição da COV ideal, que influencia diretamente o volume, é um balanço entre eficiência e estabilidade do processo.

  4. Temperatura de operação: A temperatura afeta diretamente a atividade microbiana e, portanto, a taxa de digestão e produção de biogás. Reatores operando em temperaturas mesofílicas (30-40°C) ou termofílicas (50-60°C) geralmente requerem volumes menores para a mesma carga orgânica devido às maiores taxas de reação. No entanto, a manutenção de temperaturas mais altas implica em maior consumo de energia para aquecimento, o que deve ser ponderado em relação à redução do volume do reator e aos custos de capital.

  5. Viabilidade econômica e retorno do investimento (ROI): O volume do reator é um dos maiores componentes do custo de capital de uma planta de biogás. Um volume maior implica em maiores custos de construção, materiais e área ocupada. A análise de viabilidade econômica deve considerar o custo do volume do reator em relação à produção de biogás esperada e à receita gerada pela venda de energia ou créditos de carbono. O objetivo é encontrar o volume que otimize o ROI, garantindo a sustentabilidade financeira do projeto.

 

7. Por que definir o volume do reator é tão importante na viabilidade técnica e econômica da planta de biogás?

A definição do volume do reator é um dos pilares fundamentais para a viabilidade técnica e econômica de uma planta de biogás por diversas razões interligadas:

  • Custo de capital: O volume do reator é o principal determinante do custo de construção da planta. Reatores maiores exigem mais materiais, mão de obra especializada e espaço físico, elevando significativamente o investimento inicial. Um dimensionamento superestimado resulta em capital ocioso e um ROI menor, enquanto um subdimensionamento compromete a capacidade de tratamento e a produção de biogás, levando a perdas de receita.
  • Eficiência do processo: O volume do reator, em conjunto com a vazão de alimentação, determina o tempo de retenção hidráulica (TRH) e de sólidos (TRS). Esses tempos são cruciais para a estabilidade e eficiência da digestão anaeróbia. Um volume inadequado pode levar a problemas como acúmulo de ácidos voláteis, lavagem da biomassa, baixa conversão de matéria orgânica em biogás e, consequentemente, menor produção de energia.
  • Produção de biogás: O volume do reator é diretamente proporcional à capacidade de processamento de substrato e, portanto, à produção de biogás. Um volume bem dimensionado garante que a planta possa processar a quantidade ideal de substrato para maximizar a geração de biogás e metano, que são os produtos de valor da planta. A otimização da produção de biogás é essencial para a geração de receita e a amortização do investimento.
  • Custos operacionais: Um reator com volume inadequado pode gerar custos operacionais mais altos. Por exemplo, um reator subdimensionado pode exigir maior frequência de descarte de digestato ou tratamento adicional do efluente, aumentando os custos de manejo. Um reator superdimensionado pode ter custos de aquecimento e mistura desnecessariamente altos.
  • Sustentabilidade e impacto ambiental: O volume do reator também influencia a capacidade da planta de tratar os resíduos de forma eficaz, reduzindo o impacto ambiental. Um reator bem dimensionado garante a remoção adequada da carga orgânica garantindo a eficiência da sua biometanização resultando na produção de um digestato de qualidade, que pode ser utilizado como biofertilizante, contribuindo para a economia circular e a sustentabilidade do agronegócio.

Em suma, a decisão sobre o volume do reator não é apenas uma questão de engenharia, mas uma análise complexa que integra aspectos técnicos, operacionais e econômicos. Um dimensionamento preciso e otimizado é a chave para o sucesso e a sustentabilidade de qualquer projeto de planta de biogás.

 

8. Considerações Finais

A especificação do volume de reatores anaeróbios é um dos aspectos mais críticos no projeto e na viabilidade de plantas de biogás. Como demonstrado, seja em reatores UASB para efluentes de baixa carga orgânica, biodigestores rurais de lagoa coberta para dejetos animais, ou em sistemas de biodigestão seca para substratos com alto teor de sólidos, ou até mesmo em reatores CSTR (será abordado no próximo artigo), o dimensionamento adequado do volume impacta diretamente a eficiência do processo, a produção de biogás e, consequentemente, a rentabilidade do empreendimento. 

A aplicação de modelos matemáticos e a consideração de fatores como tipo de substrato, tempo de retenção necessário, carga orgânica volumétrica e temperatura de operação são essenciais para otimizar o volume do reator. Uma decisão bem fundamentada sobre a definição do volume do reator não apenas garante a sustentabilidade técnica da planta, mas também assegura a sua viabilidade econômica, maximizando o retorno sobre o investimento e contribuindo para o avanço da bioenergia no Brasil.

 

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9. Referências Bibliográficas

Para desenvolvimento desse artigo, as obras consultados estão destacadas abaixo:

[1] FILHO, A. S. L. S. et al. Dimensionamento de um reator UASB para tratamento de efluentes domésticos e recuperação do biogás para produção energética: um estudo de caso em Pouso Alegre (MG). Revista Brasileira de Energias Renováveis, v.7, n.1, p. 77-94, 2018. Disponível em: researchgate.net   
  
[2] MITO, J. Y. L. et al. Metodologia para estimar o potencial de biogás e biometano a partir de plantéis suínos e bovinos no Brasil. Concórdia: Embrapa Suínos e Aves, 2018. (Documentos / Embrapa Suínos e Aves, ISSN 0101-6245; 196). Disponível em: infoteca.cnptia.embrapa.br 

[3] GIZ. PROBIOGÁS - Metanização de RSU. Disponível em:  Probiogas Metanizacao RSU

[4] CHERNICHARO, C. A. L. Reatores anaeróbios. Belo Horizonte: UFMG, 2007.

[5] BIOGÁS E ENERGIA. O que é Carga Orgânica Volumétrica (COV)? Disponível em: biogaseenergia.com.br

 

 

 

 

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